quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Degradação ambiental (2): os processos iniciados antes da criação da APA estão sendo intensificados, comprometendo a manutenção dos ecossistemas naturais.

“Quando da Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio-92, os países participantes assumiram o compromisso e o desafio de internalizar, em suas políticas públicas, as noções de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentável. Assim, foi criada por decreto presidencial a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 21 – CPDS, tendo como função coordenar o processo de elaboração e implementação da Agenda 21 Brasileira (1).
A Gestão dos Recursos Naturais é um dos diversos eixos temáticos usados como base para a discussão e elaboração da Agenda 21 Brasileira.
“A gestão integrada dos recursos naturais consiste no estabelecimento de um conjunto de ações de natureza administrativa, em um determinado espaço ou unidade de planejamento, que considere as inter-relações entre os recursos naturais e as atividades socioeconômicas”Gestão é, em outras palavras, o modus operandi cuja premissa básica é manter os recursos naturais disponíveis para o desenvolvimento, hoje, amanhã e sempre(1)

Contínua degradação da restinga situada na APA (litoral sul de Sergipe, Itaporanga/Estância).
 O Litoral Sul de Sergipe foi contemplado com a criação de uma APA (Área de Proteção Ambiental) e conta com instrumentos de planejamento: Zoneamento Ecológico-Econômico, Plano de Manejo, Planos de Intervenção das Orlas Marítimas e Conselho Gestor. Mesmo assim os processos de degradação iniciados antes da criação da APA estão sendo intensificados, o que compromete a manutenção dos ecossistemas naturais.

Visão panorâmica de uma área degradada recentemente na APA do litoral sul de Sergipe (clique na foto para ampliar).
Regular o uso e a ocupação do solo por meio de métodos e técnicas de planejamento ambiental, incluindo as diversas formas de zoneamento, a articulação e o gerenciamento de unidades espaciais de importância para a biodiversidade e para a conservação dos recursos naturais, fazem parte das estratégias e propostas de ações estabelecidas pela CPDS.

Ponte Gilberto Amado (Rio Piauí), entre Porto dos Cavalos (Estância) e Terra Caída (Indiaroba).
Segundo o governo do estado: "a obra no território Sul vai permitir o desenvolvimento do complexo turístico da foz do rio Real, que engloba os povoados Convento, Pontal e Crasto, a Ilha do Sossego, a Praia do Saco e a Ilha da Sogra, além de Mangue Seco (BA)". "O que falta agora é atrair o turista." O governo encara o turismo como Política de Estado e considera Sergipe pronto para atender o turista. (2)
Além disso, "a obra sobre o rio Piauí,  será fundamental para que o estado consiga alcançar o seu projeto de se tornar uma das sub-sedes da Copa do Mundo que será realizada no país em 2014". (2)

Vista do estuário dos Rios Piauí, Real e Fundo (Porto dos Cavalos) com manguezal exuberante ainda preservado.
Concordamos que o "resultado dessas ações é a geração de mais emprego, maior ocupação da rede hoteleira, aquecimento das vendas no comércio e, por conseqüência, a melhoria da arrecadação fiscal”. Mas, quais as consequências disso, no que se refere ao impacto ambiental? Quais são as estratégias, as ações propostas e/ou implementadas para o uso e ocupação dos ambientes em questão?
Estariam sendo cumpridas as regras básicas para a implementação desses serviços em locais que necessitam de grandes cuidados com a preservação ambiental? No caso, a região costeira, com suas lagoas, estuários e manguezais? Não é o que está sendo observado!
A utilização dos recursos típicos da zona costeira é de grande importância para a  sobrevivência das populações tradicionais ali residentes. Com o desenvolvimento dessas comunidades, os recursos do manguezal, por exemplo, passarão a ser usados com mais intensidade. A construção de rodovias e pontes na região poderá transformar-se em um dos principais impactos antrópicos na costa de Sergipe, ou mesmo do nordeste. Poderá melhorar o turismo e as condições de escoamento da produção local, mas afetará irremediavelmente a diversidade e a paisagem local. 
Outrossim, o aumento do impacto será proporcional à demanda local. O efeito da intensificação do extrativismo será mais visível nos produtos de origem animal, principalmente no peixe e no caranguejo, principais insumos da região estuarina. A  comercialização  em larga escala do pescado, já está provocando impactos negativos na zona costeira, pois o que era uma prática de subsistência transformou-se em prática predatória.
Outro problema grave se refere ao descarte de resíduos sólidos e líquidos; a água já está sendo contaminada de muitas maneiras: pela acumulação de lixos e detritos e pelos esgotos domésticos lançados sem tratamento nos rios ou no mar.
Corridas desenvolvimentistas possuem aspectos positivos, mas a ocupação desordenada e a apropriação e o uso desmedidos dos recursos ali existentes podem desembocar em impactos ambientais, sociais e econômicos irreversíveis na zona costeira sergipana, ou mesmo brasileira.


(1) AGENDA 21 BRASILEIRA

(2)(http://www.agencia.se.gov.br/noticias/leitura/materia:16522/governo_de_sergipe_inicia_construcao_da_ponte_sobre_o_rio_piaui.html)

4 comentários:

  1. Como (re)produtor de ciência e conhecimento, fico indignado na maneira acrítica como nós, universitários, tidos no imaginário popular como "a elite pensante da sociedade", encaramos tais fatos. São raras as possibilidades de se discutir sobre meio ambiente e impactos ambientais de uma maneira menos teórica e mais propositiva em sala de aula.
    Nesse caso específico, observamos a contradição clara de interesses de classes em que a burguesia imponente tira a autonomia do povo, antes produtor de cultura e conhecimento devido à sua relação com o meio ambiente, com o pretexto de gerar novos empregos, impondo uma condição precária de trabalho alienado. Além disso, impõe sobre o povo e a natureza um absurdo baseado na cristalização da falsa identidade de que ser "brasileiro" é, dentre tantas outras afirmações infundadas, gostar de carro, cerveja e futebol. Nada contra quem curte a sua pelada num domingo que seja, mas legitimar isso através da degradação do meio ambiente e de comunidades tradicionais (como tem ocorrido não só em Sergipe, mas no Rio Grande do Sul e no Ceará, por exemplo), é de um oportunismo no mínimo bizarro para justificar tais atrocidades no "país do futebol".
    Não concordo muito com a ideia de reservas ambientais, pois não acredito numa preservação na perspectiva da "natureza intocada", sobretudo na lógica da atual conjuntura em que tudo (desde recursos naturais a relações humanas) é transformado em produto de venda. No entanto, acredito que, se bem planejada, visando uma participação popular efetiva, as reservas podem representar uma alternativa eficaz se pensarmos como uma solução a curto prazo.
    No mais, parabenizo o blog por levantar com responsabilidade e seriedade questões tão importantes que podem instrumentalizar a biologia (no meu caso,a militância também), ajudando a deixar claro o papel que temos a cumprir na sociedade.
    Por fim, gostaria de citar uma frase que martela em minha mente desde 2007:
    "Os astronautas que tiveram a oportunidade de observar a Terra do espaço viram o quão assombrosamente belo é o nosso planeta; com frequência, eles se referem à Terra chamando-a de 'lar'" (James Lovelock).
    Que consigamos um dia (espero que não muito distante) nos colocar no lugar desses astronautas...
    Parabéns pela excelente reflexão!
    Abraço!

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  2. MUITO BOM, comentário fruto de rara clareza mental. Faço minhas as suas palavras! Você fez uma resenha genial sobre alguns "comportamentos" absurdos e também fez assertivas importantes! Seu comentário, sem dúvida alguma, constitui um marco na ainda curta existência do BLOG. Não depreciando as outras poucas manifestações!
    O que foi comentado aqui por você demonstra a percepção exata do problema abordado. Fica claro que maior parte das nossas atividades são absoluta perda de tempo. Somos, na maioria, seres oportunistas instintivos (uma temeridade), idiotas e desperdiçados num sentido bem amplo, incapazes de qualquer autocrítica. Estamos jogando fora a chance de prosseguir como humanidade.
    Concordo plenamente com a ideia de que "reservas ambientais" são apenas aceitáveis como alternativas emergenciais. O que está sendo pleiteado aqui é exatamente chamar a atenção para um ambientalismo coerente! Se de fato ficar claro para mais pessoas o papel que temos a cumprir na sociedade, talvez possamos fazer frente à politica demagógica dos nossos líderes.
    Espero contar com você para dar prosseguimento ao nosso trabalho.

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  3. Dizem, os engenheiros, que pontes são balsas que não se mexem, portanto, não fazem diferença na comunidade, apenas trazem velocidade ao seu desenvolvimento. Eu, formado em Administração de Empresas, conheço o meio comercial. E ele é predatório, podem acreditar em mim.
    O que se quer é comprar um carro... não um carro, "o" carro. Para que andar de bicicleta? E o celular, o "tablet"? Bem, quero poder viajar com meus filhos e amigos pelo Brasil... e aí me vem a questão? TURISMO? Quem viaja para ver área degrada? Ou prédios imensos em meio ao lixo urbano? Quem curte Camburiu(SC), depois das 14:00 horas?
    Claro, queremos conforto... mas, pra mim, conforto é estar à beira de um pequeno fogão à lenha, com pinhão e polenta... faz mais sentido do que uma Rover turbinada na avenida. Começa por nós, por nossos filhos... começa pelo nosso legado.

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  4. Acredito em você sim!Desenvolvimento compromete seriamente o ambiente. Gera mais lixo, mais esgotos (sem tratamento na maioria dos casos), desfigura a natureza. Não existe mais espaço para o "desenvolvimento" que está sendo apregoado. Precisamos revisar seriamente nossas necessidades. Como você mesmo diz em seu comentário, conforto também é simplicidade. Mais educação poderia ajudar na preservação dos recursos naturais indispensáveis. A mídia é inconsequente e gera "vontades" desnecessárias! Muito sensato seu comentário!

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